sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

PROFISSÃO DE FÉ

(Eu, o maiorzinho, ao lado de meu irmão Alexandre, na função de Ogã da casa de Xambá de minha avó, Deda de Xangô, nos anos 70)

Senhoras e senhores, sou um camarada convencido da absoluta falência dos modelos ocidentais de interpretação do mundo, que produzem um radical e perverso desencantamento do mesmo. O ocidente inventou os famosos "ismos" - o iluminismo, o liberalismo, o capitalismo, o marxismo, o jornalismo, o pós-modernismo...ismos pacas, enfim. Não vejo, aí, qualquer chance de salvação.

Sou, nesse sentido, um adepto da idéia de que os legados ocidentais tem que ser redimensionados. Produzem, insisto radicalmente nisso, um mundo insosso, previsível e desencantado. A herança da salada judaico-cristã e tecnicista gera culpa, arrogância, desejo de consumo e depressão em série. Eis o que a arrogante cultural ocidental produziu - depressivos em massa, miseráveis em série e consumidores em bandos.

Eu, de minha parte, fui agraciado pelos deuses. Nasci em uma família adepta dos Orixás. Minha vó - que me criou - era uma Yalorixá pernambucana radicada no Rio de Janeiro e comandava um terreiro de xambá na cidade de Nova Iguaçu. Para os que não sabem, o xambá é um culto de origem nagô, como os candomblés da Bahia, fortemente mesclado com elementos bantos e ameríndios.

Cresci ali, fascinado pela dança magnífica dos Orixás, impressionado pela imponência dos caboclos e seduzido pelo toque misterioso dos tambores que enchiam de encantamento as minhas madrugadas.

Quando entrei para a faculdade de História, resolvi, com a arrogância clássica dos estudantes das ciências humanas - sempre se sentindo capazes de entender o mundo, compreender os anseios do povo e apresentar soluções políticas messiânicas para os males sociais - negar a religião ( o ópio do povo, ora bolas) e declarar com vigor meu ateísmo.

Mas, num momento absolutamente vazio da minha vida, reencontrei, de uma forma impressionante (um dia eu conto), o caminho da infância e o toque dos tambores. Mergulhei sem receios, fiz amigos, compartilhei da mesa farta das comidas de santo e fui consagrado, sob a condução de Ogum, meu pai, sacerdote de Ifá, reestruturando o elo de ancestralidade que a minha velha avó teceu.

Esse é o meu mundo, essas são as minhas comidas, esses são os meus deuses. Eles dançam o tempo todo. Não acredito em milagres, mas creio no axé - a potencialização do deus que há em mim e que me ajuda a lidar com os perrengues do cotidiano.

Se eu faço política? Claro que sim. Eu faço política quando canto, toco, danço, imolo animais, respeito os mistérios do rio, evoco meus ancestrais na casa de Egun e digo aos arrogantes de plantão que cultuo os deuses que atravessaram o Atlântico nos porões imundos dos tumbeiros para nos civilizar.

Orunmilá, o senhor do Ifá, o mais sábio dos Orixás , conhecedor dos destinos, determinou que assim fosse. Ogum autorizou. Obatalá é o dono da minha casa - meu ilê. Exu, o compadre, mora na minha varanda, vive na minha esquina e me acompanha nas cervejas e batuques; ele bate comigo palmas ritmadas no compasso do partido alto. É dele, sempre será dele, Exu Odara, o senhor da alegria, o primeiro gole de cada entardecer da minha vida. Olorum modupe!

4 comentários:

ary carvalho disse...

belissimo comentário.
uma bela estória de vida e um aprendizado, para que todos saibam q santo não e muleta de espirito, santo não faz vc andar ele apenas ajuda.

Juliano disse...

Grande Simas,
é com satisfação que vejo este blog voltando a ativa.
A festa no Império já tem data?
Abraço.

Alan disse...

Relendo sobre a sua negra fase materialista( e posterior redenção), lembrei do provérbio:

" Os fados guiam àquele que assim o deseje; aquele que não o deseja, eles arrastam."

Abraço!

Monica Machado disse...

simas, caro, de vez em quando volto aqui porque quero, porque gosto e porque você manteve este blogue ativo. pois, logo aí pertinho você falou de sua criaçao e do afastamento das coisas dos orixás para depois falar da reaproximação, de comer junto, fazer amigos e reencontrar de forma impressionante o caminho da infância e o toque dos tambores. eu, por mim, tenho esquecido do que foi e não quero lembrar mais. mas ainda me atraem o cheiro, o gosto e o gesto das coisas de santo. era isso o de mais, além das muitas palavras que ouvi.
beijo, mônica.