sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

BABALAWOS NO BRASIL

(Texto escrito em parceria com o babalawo Ifasinmy, Cláudio Ribeiro Falcão)

A tradição sobre a implementação dos primeiros axés de origem nagô no Brasil aponta para o papel fundamental dos babalawos. Nos relatos sobre a fundação da Casa Branca do Engenho Velho, se destaca a famosa viagem de Iyanassô ao continente africano, da qual teria retornado acompanhada por Rodolfo Martins de Andrade, o babalawo Bamboshe Obitiku. Outro babalawo, Martiniano Eliseu do Bonfim, o mais famoso da Bahia em seu tempo, teve papel crucial na formação do Axé Opô Afonjá. Pouco depois, Pierre Fatumbi Verger desempenhou, como sacerdote e estudioso, a função de fazer a ponte entre Brasil e África, reafirmando a função do Atlântico Sul como um espaço civilizatório.

Apesar do papel fundamental na estruturação do culto, a figura do babalawo foi perdendo espaço no país, até chegar praticamente a desaparecer. Quanto a este ponto, Roger Bastide indica um conflito por status social entre babalorixás e babalawos, que culmina com a vitória dos primeiros. Diz também que a derrota do babalawo foi, em grande parte, a de um sistema de adivinhação mais complexo, com o opelê de Ifá e os caroços do dendezeiro (ikins), para um outro mais simples, com os búzios. Bastide não considerava, porém, essa história encerrada. Para ele, os búzios tinham vencido o colar de Ifá, mas nova ofensiva e regresso de Ifá eram sempre possíveis.

Tal fato, por determinação de Olorum, aconteceu. Nas duas últimas décadas do século XX os babalawos voltam a ser ativos personagens da religião de orixá no Brasil, com destaque maior para a tradição nigeriana em São Paulo e para a tradição cubana no Rio de Janeiro. No caso do Rio, nossa seara, alguns esforços para a retomada do conhecimento de Ifá foram feitos no final dos anos 70 por estudantes nigerianos, mas apenas com a chegada do babalawo cubano Rafael Zamora Dias, o culto sistematizou-se. Em breve, iniciações de sacerdotes de Ifá estavam sendo feitas no Brasil. Somos, os autores deste texto, babalawos iniciados neste contexto de retomada, no final de 2001. Este retorno dos babalawos traz uma série de riscos e desafios que passamos a discutir.

Inicialmente é necessário dizer que o desaparecimento da figura do babalawo não significou a perda da essência de Ifá. Vários procedimentos litúrgicos adotados no candomblé encontram suas bases nos versos de Ifá, mesmo que Iyalorixás e Babalorixás desconheçam as exatas referências. Como exemplo, podemos citar as regras de conduta que as yaôs devem seguir. Elas se referem ao exercício da paciência, da humildade e do respeito à hierarquia, e fazem parte da busca pelo Ìwàpèlè, o bom caráter, cujos princípios se encontram nos versos do Odú Ogbe-Otura. Para o iorubá, a busca por Ìwàpèlè é o principal objetivo da existência humana, e a essência da conduta religiosa consiste em cultivar o bom caráter.

O grande risco que a volta dos babalawos apresenta está, queremos crer, na velha disputa entre estes e os sacerdotes de orixá, já delineada por Bastide nos anos 40. Para evitá-lo, é necessário que os babalawos reconheçam a tradição de orixá brasileira e a excelência de vários de seus sacerdotes. Alguns babalawos devem tomar cuidado ao negar a tradição de orixá, já que a mesma encontra-se plenamente justificada nos textos sagrados de Ifá. Acreditar que o culto de Ifá é desvinculado do culto de orixá, e vice-versa, é uma falsa questão, que não se justifica liturgicamente. Faz-se necessário que babalawos, iyalorixás e babalorixás reflitam sobre esse problema, em busca de uma convergência religiosa que engrandeça a religião no Brasil.

Considerando que a reintrodução dos sacerdotes de Ifá é recente, estes não podem tentar afirmar o seu poder e sua presença em uma discutível idéia de pureza e superioridade hierárquica. A valorização do seu papel virá do reconhecimento de que há muito que se aprender com a tradição de orixá que o Brasil desenvolveu. O reconhecimento dos babalawos pelos sacerdotes de orixá só se estabelecerá em razão da excelência litúrgica e postura ética e moral dos sacerdotes de Orunmilá.


É preocupante, também, que sacerdotes de orixá e intelectuais ligados a casas de culto, que muitas vezes atuam como verdadeiros porta-vozes das mesmas, insistam em ignorar o retorno de Ifá e dos babalawos ao Brasil, muitas vezes considerando que estes fazem parte de uma religião distinta da sua. Cabe, então, aos terreiros de candomblé reconhecer a figura dos babalawos, bem como a possibilidade de revitalização do culto que o conhecimento da palavra de Orunmilá permite.

Como exemplo, podemos mencionar o culto aos ancestrais, o sentido litúrgico do ritual do axêxê, o já citado conceito de Ìwàpèlè, a cosmogonia e os valores éticos e morais da religião, o papel da energia feminina das Iyami e as funções desempenhadas por Exu. Todos esses elementos, sem os quais o próprio sentido da religiosidade se perde, estão fundamentados no corpo literário de Ifá.

Quando escreveu fundamental resenha sobre o livro Candomblé da Bahia, obra seminal de Roger Bastide citada acima, o escritor Nei Lopes ressaltou que a presença de babalawos e a força que adquiriu o culto a Ifá foram os acontecimentos mais relevantes que a religião afro-brasileira vivenciou nos anos de 1990. Cabe, agora, dimensionar esse fato para que a religião se fortaleça cada vez mais na nossa terra.

Aboru Boye

2 comentários:

Claudio Falcão disse...

Ifasinmi... risos iFasinmi

Unknown disse...

hoje , li com atenção este blog.
não devemos esquecer que até pouco tempo havia entre nós o oluwo sr.
Agenor Miranda o qual as casas mais velhas da Bahia o respeitavam.
E, ao mesmo tempo êle as respeitava.