segunda-feira, 25 de agosto de 2008

O FISCAL DE OLORUM


Não se entende a amplitude da religião de Ifá sem uma compreensão do papel que nela representa o Imole Exu. Reconhecer a importância deste orixá é um passo fundamental para uma visão correta sobre o sistema religioso iorubá.

Diz Ifá que Olorum criou Exu a partir da Érupé (lama) e deu a ele o atributo de ser o grande Âgbá (ancestral). Sua função é a de dotar os seres de capacidade de movimento. Exu é a energia que está presente em tudo que existe. Dinamização, transformação e mobilidade são possibilidades inauguradas por esse orixá. A ausência de Exu é, portanto, a negação da vida.

Os iorubás acreditam que o homem tem a possibilidade de conhecer e alterar o seu destino. O conhecimento é revelado pelo oráculo de Ifá, sistema adivinhatório regido pelo orixá Orunmilá, que por determinação de Olodumare é o Eleripin (testemunha do destino) de todos os homens. A partir do conhecimento do destino, a alteração das coisas maléficas pode ser conseguida com a realização de ebós, oferendas e sacrifícios determinados por Orunmilá. A realização do ebó evoca energias dotadas de axé (força) suficiente para transformar o ona buruku (mau caminho) em ona rere (bom caminho).

Neste sistema, Exu é um personagem fundamental. Uma de suas atribuições é a de ser o fiscal de Olorum. É ele, portanto, que fiscaliza o babalaô, sacerdote que consulta o oráculo, para que este não minta ao consulente.

Exu é também o Elebó, senhor das oferendas. É sua função verificar se as oferendas estão sendo feitas conforme a determinação de Ifá e cabe a ele levá-las ao Orum para que sejam aceitas. Caso o ebó seja bem sucedido, Exu cumpre a determinação de trocar os maus caminhos pelos positivos. Se as oferendas não forem feitas conforme o estabelecido, Exu é aquele que, na qualidade de fiscal de Olorum, pune os responsáveis.

É Exu, portanto, que dinamiza um dos pilares fundamentais da religião dos orixás, a consulta oracular como caminho de transformação do destino de cada um. Sendo assim, fica claro que, para o iorubá, destino é sinônimo de possibilidades que se realizam ou não. O porvir, ao ser previamente conhecido, pode ser alterado.

Vale mencionar, e esse é um aspecto fundamental, que o ebó não se destina simplesmente a resolver problemas. Há percalços que são inevitáveis, e estão no odu que rege o nascimento de cada um. A função do ebó é , então , dotar a pessoa de axé para que os problemas possam ser enfrentados com maiores possibilidades de sucesso. O portador do axé é Exu.

É neste sentido que Exu costuma ser representado fumando cachimbo e tocando flauta. Ele fuma o cachimbo como quem absorve e ingere as oferendas, e toca a flauta como quem restitui o axé, a energia vital.

Outra representação famosa de Elegbara é a do falo ereto. O pau duro de Exu, que tanto chocou os pudicos missionários cristãos que foram à África no século XIX, nada mais é que o exemplo maior de dinamismo, movimento e vitalidade, atributos do senhor da transformação.

Foi provavelmente esta última imagem, um Exu teso e viril, que levou os europeus a vinculá-lo ao demônio judaico-cristão. Obcecados pelas noções de culpa e pecado, produziram em seus estudos uma visão que, pelo desejo de dominação, pelo medo, pela desonestidade e, sempre, pela ignorância, distorceu e comprometeu a compreensão do papel primordial desempenhado por Exu no sistema religioso iorubá. Recuperá-lo em sua dimensão legítima é, portanto, função de todos os que professam a religião que Orunmilá ensinou aos homens.


Iboru boya !

11 comentários:

Eduardo Goldenberg disse...

Axé, meu irmão. Que você tenha êxito em sua missão. Grande beijo.

Anônimo disse...

vai soar meio esquisito o pedido, mas tem como gravar as palavras iorubá?

ah! muito bacana esse texto! quero ver mais, feed assinadíssimo. faz tanto tempo que eu procuro uma boa introdução às religiões do Brasil!...

(ai, como é sem-graça, às vezes, ser paulista).

Szegeri disse...

É isso, Bàbá... Quem pega o 457 na Pinheiro Machado tem como destino a Abolição. Mas não significa que vá necessariamente parar no aprazível bairro do meu querido ègbónmi okùnrin Zé Sérgio Rocha. Posso deparar uma roda de sambana na Praça da Bandeira e descer no meio do caminho pra tomar uma no Aconchego; ou o ônibus pode quebrar ali na Capitão Resende e eu aproveitar pra fazer uma visita ao Flavinho Xerife. Há o destino, mas há, também, as possibilidades...

Anônimo disse...

Ótimo texto, principalmente para quem acha o assunto muito interessante mas é uma completa ignorante.
Virei leitora.
Flavia

Claudio Falcão disse...

Aboru Aboie Aboshishe-o

Que beleza. Não esqueça do texto de Ogum... acho que o título é O meu general, não?

abraços

Claudio Ifasinmi Falcão

Alo Luanda disse...

Adorei o texto!
Muito bom mesmo!
Estou me iniciando am Angola e sempre fui muito interessada em culturas nativas. Aprender os costumes, tradições e principalmente os mitos de uma cultura é no meu ponto de vista o primeiro passo (diria o mais importante) para o verdadeiro exercicio da alteridade

Makuiu

Felipe Quintans disse...

BOM PRA CACETA!!! Siga em frente. Beijo

Unknown disse...

Vale a pena publicar, novamente, "Alabês, Runtós e Xicarangomos".

Ricardo Lopes disse...

Grande Simas.
Sou amigo do Felipinho. Texto fora de série. Eu como grande admirador do Candomblé, filho de Oxóssi e tenho como mãe Oxum, achei maravilhoso demais. É sempre bom aprender um pouco mais desta cultura tão discriminada. Serei leitor de carteirinha. Ficarei esperando os textos falando de cada Orixá. Uns tão cultuados no Brasil como Ogum, Oxóssi, Oxalá, Iansã, Iemanjá dentre outros. Outros nem tanto como Ewa, Obá e etc. E o que falar do Orixá Tempo...
Grande abraço.
E que a paz de Oxalá te cubra.
Okê Arô.

Cecilia Panipucci disse...

Axé Simas!Adorei o blog (cheguei via Bruno Ribeiro)e voltarei muito!

luiz antonio ifabiyi simas disse...

Aos amigos e irmãos, obrigadíssimo pelos comentários. Vem muito mais por aí ! Axé.