Há no Brasil uma grande curiosidade das pessoas em conhecer o orixá de cabeça; quem é seu pai ou sua mãe. É compreensível. Creio, porém, que não devemos perder a dimensão de que é mais importante conhecer o odu pessoal que o orixá de cabeça. Vou tentar explicar a razão . Vamos ao primeiro passo.
Odu é uma espécie de signo que rege o nascimento de cada pessoa. A tradição iorubá aponta a existência de dezesseis signos principais, cujas combinações perfazem 256 odus. Cada um de nós é regido por um desses odus. Cada odu é composto de uma infinidade de poemas, relatando a história da criação e o papel que os orixás e uma série de outras espiritualidades exerceram nessa história primordial. O conjunto dos odus forma, então, o texto canônico sobre o qual se sustenta a tradição de Ifá.
Dentro dos odus estão os caminhos e as possibilidades que cada um de nós carregará para o resto das vidas. Nesse sentido, odu é o destino possível de cada um. Meu odu, por exemplo , contém as coisas que devo evitar, os eventos que podem colocar em risco a minha vida, as comidas que me fazem bem, as comidas que me fazem mal, minhas aptidões profissionais, minha relação com meus ancestrais, as folhas que me curam, as folhas que me matam, os ebós que me salvam, os orixás que me acompanham ... O que salva, no meu odu , pode matar, no odu de outra pessoa. Nenhum homem escapa ao seu odu. Vive os caminhos irê (positivos) ou ibi (negativos) , mas não escapa. Odu é o designo de Olorum, o deus maior.
Em cada odu, os poemas relatam as histórias dos orixás e de outros elementos encantados da natureza. Eu, por exemplo, sou filho de Ogum. No meu odu, Ogum não aparece como o guerreiro violento e conquistador. Ogum surge como o inventor do arado; agricultor e mestre ferreiro. A tendência é que a energia de Ogum se manifeste na minha vida dessa forma mais branda.
Tenho irmãos de Ifá filhos de Ogum que, entretanto, possuem odus onde os poemas que envolvem o orixá falam de violência e guerra. É assim que a energia de Ogum pode se manifestar para eles. Não se compreende a natureza do orixá de cabeça sem o conhecimento do odu e dos caminhos em que nele o orixá se apresenta. Para efeito de comparação, quem conhece apenas meu orixá sabe em que cidade eu moro. Já é muita coisa. Quem conhece meu odu pessoal, com seus caminhos, e sabe como a energia do meu orixá se manifesta nele, tem uma cópia da chave da minha casa.
Não se faz - ou não se deveria fazer - santo na cabeça de uma pessoa sem o conhecimento prévio do odu da mesma. Exemplifico. Digamos que o iaô que vai se iniciar seja filho de Xangô. Há um dos 256 odus - daqueles famosos, que todo babalaô conhece - em que Ifá revela que a energia de Xangô é forte demais para ser consagrada na cabeça de alguém. A simples menção do nome deste odu evoca os poderes do fogo. Imaginem raspar Xangô no ori de um noviço que seja desse signo. Não se raspa em nenhuma hipótese. Assim Ifá ensina, assim o sacerdote deve agir. Osa Irosun nos diz em um de seus versos : Só Orunmilá pode revelar o orixá de cabeça de cada pessoa e só Orunmilá pode determinar que orixá deve ser consagrado na cabeça de cada um. É por isso que conheço exemplos louváveis de grandes mães de santo que não fazem orixá na cabeça de ninguém sem antes consultar um babalô, para confirmar se os procedimentos litúrgicos adotados estão de acordo com as ordens do único orixá que pode estabelecer isso : Orunmilá.
Após essa rápida introdução, surge a dúvida : como se revela o odu de cada um ?
A resposta envolve a realização de uma cerimônia de iniciação relativamente complexa. Falarei sobre ela no próximo texto.
Iboru Boya !